Mesmo sendo uma doença milenar, a hanseníase ainda é um problema de saúde pública. Segundo dados de 2021 da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil ocupa o segundo lugar entre os países com maior número de casos novos no mundo, ficando abaixo apenas da Índia. Doença crônica e transmissível, a hanseníase tem como agente etiológico o Mycobacterium leprae, que atinge principalmente a pele e os nervos periféricos, podendo ocasionar lesões neurais e incapacidade nos seus portadores.
A perda de sensibilidade parcial ou total e o aparecimento de manchas são um dos seus principais sintomas. O tratamento, que é feito com medicamentos orais e dura de 6 a 12 meses, é disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e se, realizado precocemente, há grandes chances de cura. Iniciado o tratamento, a pessoa deixa de transmitir a doença. A divulgação de informações sobre a hanseníase é uma importante estratégia para identificar, tratar e curar a doença, coibindo mitos e preconceitos.
A dirigente da Superintendência Regional de Saúde (SRS) de Ponte Nova, Josy Duarte Faria Fialho, destacou que a hanseníase é um problema de saúde pública, mas que também é um problema social. Ela mencionou o estigma e a discriminação que podem envolver as pessoas com a doença e seus familiares. “O estigma se desenvolveu ao longo de muitos anos de superstições e enganos, levando os seus portadores a serem excluídos socialmente. Até hoje, imperam crenças equivocadas sobre o assunto e segregar essas pessoas é um grande engano”, opinou. Para ela, o caminho é a informação.
Diante da necessidade de abordagem do tema em todas as suas especificidades, o Núcleo de Vigilância Epidemiológica (Nuvepi) da SRS de Ponte Nova promoveu, em 22 de junho, o “Seminário Regional em Hanseníase: ampliando conhecimentos para enfrentar a doença”. Realizado no auditório do Sindicato dos Produtores Rurais de Ponte Nova, o evento foi voltado a médicos, enfermeiros, bioquímicos e profissionais da área de Vigilância em Saúde e Atenção Primária à Saúde (APS), num total de 120 participantes.
Segundo a idealizadora do seminário e referência em hanseníase do Nuvepi, Mônica Maria de Sena Fernandes Cunha, responsável pela palestra “Vigilância e Situação Epidemiológica da Hanseníase”, o objetivo do evento foi oferecer aos profissionais de saúde uma oportunidade de atualização e de troca de saberes. Sua apresentação trouxe dados sobre os cenários nacional, estadual e regional da hanseníase, apontando uma queda na detecção da doença. “Nos últimos anos, temos visto um decréscimo muito grande no número de casos notificados. Só aumentando a detecção e diagnosticando precocemente os casos é que podemos prevenir as incapacidades físicas. Anualmente, temos um caso notificado com grau dois de incapacidade, revelando que ainda possuímos um diagnóstico tardio de hanseníase na região”, observou Mônica.
Outro ponto que chama a atenção é que a APS em Minas Gerais tem atendido menos casos da doença do que a média e alta complexidade hospitalar. “Isso demonstra uma inversão porque, na verdade, esses casos deveriam estar sendo atendidos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), que são os locais mais próximos do paciente”, frisou. Mônica finalizou dizendo que o tratamento da hanseníase requer “cabeça, coração e mãos” e que só é possível diagnosticar aquilo que se conhece.
O médico Miguel Slaibi Filho, especialista em Clínica Médica e em Hansenologia pela Associação Médica Brasileira e referência microrregional em Hanseníase, trouxe estatísticas, definição, conceitos, transmissão, espectro da doença, formas, diagnóstico, pesquisa de sensibilidade, exames, manifestações extracutâneas, tratamento e estados reacionais. “A hanseníase é uma doença dermatoneurológica, ou seja, é uma doença que afeta a pele e os nervos. Ela é caracterizada pelas lesões de pele, principalmente com diminuição ou ausência de sensibilidade, atacando também os nervos periféricos, o que pode levar a um grau muito grande de incapacidade no paciente”, descreveu. Sobre o seminário, o médico comentou ser uma oportunidade muito importante para capacitar os profissionais. “Muitas vezes, a experiência acadêmica não provê condições suficientes para o atendimento adequado ao paciente de hanseníase na APS”, completou.
Papel da Atenção Primária
A enfermeira Daniela Roque Mendes, que ministrou o conteúdo Abordagem da Hanseníase na Atenção Primária, destacou a importância do atendimento pelos serviços de saúde, “na APS, espera-se que as equipes estejam aptas a reconhecer precocemente os sinais e sintomas da doença, definir corretamente a classificação operacional do caso, indicar o esquema terapêutico adequado, avaliar e monitorar a função dos nervos periféricos. Também é esperada a orientação quanto à prevenção das incapacidades físicas e ao acompanhamento da resposta terapêutica, aos efeitos colaterais da Poliquimiterapia Única (PQT-U) e dos medicamentos antirreacionais”, citou.
Assim que identificado os casos, a importância da busca ativa dos contatos dos pacientes foi reforçado pela médica da Estratégia de Saúde da Família (ESF) de Santo Antônio do Grama e membro da Sociedade Brasileira de Hansenologia, Luciana Martins da Costa, que trouxe sua experiência no atendimento às pessoas com hanseníase. “O profissional de saúde deve assumir uma conduta proativa que vai além do ambiente da UBS, chegando ao ambiente intradomiciliar e de trabalho. A forma de transmissão é de pessoa a pessoa e quem tiver convivido com o paciente nos últimos cinco anos deve ser avaliado pelo serviço de saúde”, alertou.
O conteúdo programático ainda contemplou a palestra “Hanseníase e a Atenção Primária à Saúde: aspectos bioéticos”, conduzida pela coordenadora do Nuvepi, Thiany Silva Oliveira. Ela trouxe como ponto de partida a garantia de princípios bioéticos, como a autonomia do ser humano, de maximizar os benefícios e minimizar os prejuízos. Thiany apontou, no entanto, que existem situações em que o bem maior à humanidade pode levar a ferir algum desses princípios, como no caso da notificação compulsória do paciente com hanseníase. “Ao fazer esse tipo de notificação, o profissional de saúde quebra o sigilo da informação para que seja realizada a vigilância da doença. Por isso, é crucial que se tenha a total responsabilidade de que essas informações somente serão utilizadas para um bem maior e, portanto, devem ser cumpridas práticas que garantam que só haverá o compartilhamento com pessoas envolvidas na assistência e na vigilância”, finalizou.
Saiba mais sobre a doença em: https://portal-hml.saude.mg.gov.br/hanseniase
Autor: Tarsis Murad / Foto: Tarsis Murad